quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Filosofilmes no IFPA (MATRIX: A verdade como instrumento de libertação)





IFPA - Campus Belém


Coordenação de Ciências Humanas


Atividade Complementar: Exibição de filme e debate


Filme: MATRIX, 1999, EUA


DIA: 13 de setembro de 2011, terça-feira.


LOCAL: 3º piso da Bilbioteca Central do IFPA.


HORA: 09:00 h


"CONHECEREIS A VERDADE E A VERDADE VOS LIBERTARÁ" - JO 8:32


A questão inicial que o filme suscita: O que é a MATRIX? A Matrix é uma espécie de útero universal que usa a inteligência humana criando uma realidade virtual. Em outras palavras, é um sistema (programa de computador) que ESCRAVIZA o ser humano, fazendo-o crer que a realidade é aquilo que se apresenta aos órgãos dos sentidos.

O tema central do filme é a LIBERDADE, discutida a partir do binômio: REALIDADE - ILUSÃO. Fala de um tipo sutil de escravidão e nos coloca uma das questões centrais da Ética: Somos ou não livres?

A realidade para os primeiros filósofos era a physis, enquanto fundamento do mundo natural; ou o SER, enquanto algo mais abstrato. Porém, com Sócrates os filósofos passaram a se interessar por questões relativas à realidade interior ao homem, que podemos ilustrar por meio de três máximas: “Conhece-te a ti mesmo”, “Só sei que nada sei” e “A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida. Segundo a tradição, este filósofo teria se dirigido à Cidade Grega de Delfos e, no oráculo em homenagem ao deus Apolo (luz, razão, conhecimento), perguntado quem era o grego mais sábio. A pitonisa teria dito que ele (Sócrates) era o mais sábio, porém o filósofo, como a personagem NEO do filme, não acreditou ser o “escolhido” e duvidou da revelação que recebera.

Depois disso, Sócrates teria procurado investigar o que dissera o Oráculo questionando vários cidadãos atenienses e constatou que eles apenas acreditavam conhecer (aparências) as coisas, mas não as conheciam de fato, logo percebeu que pelo menos nesse ponto era mais sábio que os seus compatriotas, pois admitia a ignorância ao dizer: “SÓ SEI QUE NADA SEI”. No entanto, muitos atenienses gostavam de viver naquele mundo de ilusões, por isso Sócrates angariou muitos inimigos e foi condenado à morte. Podemos nos lembrar de Cypher, o traidor, que preferiu a “benfazeja” ilusão que a realidade.

É nesse contexto que podemos recuperar a “Alegoria da caverna”, publicada na carta VII da República de Platão. Com esta história o filósofo tenta nos fazer refletir sobre o que é a realidade. Lembremos que o fugitivo da caverna, como Neo, ao retornar, é hostilizado. No filme, Morfeus, durante o treinamento, adverte Neo que por trás de uma “mulher de vermelho” pode estar um “agente letal”, posto que no âmbito da Matrix todos conspiram contra quem duvida da realidade que ela produz.

Quem são os habitantes da caverna? A humanidade ignorante, que no filme é representado pelos prisioneiros das máquinas.

Os “grilhões” que mantém os prisioneiros no interior da caverna são os preconceitos (hábitos retrógrados e nocivos) que dificultam o acesso ao conhecimento. No filme, as correntes são os “pseudoprazeres”, rotina e ilusão de realidade produzidos pela simulação neurointerativa.

As “sombras” projetadas na parede da caverna são as únicas coisas que os prisioneiros vêem, por isso eles as tomam como realidade. No filme, Morpheus adverte Neo da importância de “ACORDAR” do sono dogmático que acomete todos que estão no interior da Matrix para poder “seguir o coelho branco” (como Alice), se assim o desejar.

Neo é um fugitivo como o prisioneiro que sai da caverna (no mito). Como tal, incorpora o papel do filósofo (político), enquanto aquele que desconfia que é ilusão aquilo que toma como realidade. No filme, como no mito de Platão, quem adquire o conhecimento precisa passar por um período de adaptação. A missão de Neo é conhecer a realidade e voltar para a “caverna”, com o objetivo de salvar os seus companheiros, acordando-os do “sono dogmático” que se encontravam.

Por fim, o filme Matrix nos coloca a seguinte e definitiva questão: Devemos escolher a pílula azul e continuar na ilusão; ou a vermelha e tentar conhecer a realidade, mesmo que ela não seja tão agradável? De qualquer forma, o caminho da filosofia é e sempre será uma alternativa, porque a LIBEDADE, para a grande maioria dos seres humanos, NÃO É UM VALOR.

Brasil x Argentina: a política do açaí e circo (ou "O coliseu paroara")

Os diversos reinos e impérios criados pelo homem são admiráveis por diversos aspectos, mas nenhum, em toda história da humanidade, foi ao mesmo tempo poderoso, duradouro, extenso e influente quanto o Império Romano. Com superioridade militar, riqueza cultural e boa dose de oportunismo, sua hegemonia foi tão incontestável que parecia que ia durar para sempre.

Se Atenas nos legou a filosofia; Alexandria, a ciência (em especial a medicina); Roma, pelo seu caráter conquistador, desenvolveu sofisticado sistema jurídico (ainda hoje os cursos jurídicos pátrios possuem em seus currículos uma abordagem do direito romano). Era preciso organizar a vida pública para manter o poder, principalmente nas áreas conquistadas. Há de se supor que não foi tarefa fácil, naquela época, controlar diversos povos se rebelando simultaneamente, contando apenas com a força bélica. Daí ser inegável reconhecer a grande habilidade dos romanos com a política, o que lhes permitiu manter as rédeas do Império por tanto tempo. Os benefícios que propiciaram parecem superar claramente as desvantagens. As elites governantes locais eram manipuladas para que mantivessem o povo das áreas conquistadas sob controle.

Um componente expressivo da estratégia política romana era a realização de grandes shows em anfiteatros abertos, onde pessoas e animais, literalmente, se digladiavam. A arena mais famosa, localizada em Roma, era chamada de COLISEU, com uma capacidade de, aproximadamente, 50 mil pessoas. Tornou-se, assim, um emblemático símbolo romano.

Na Roma Republicana, até 63 a.C, figuras públicas rivais, em busca de popularidade, patrocinavam as mais estrambóticas e sangrentas apresentações, tudo para obter votos. Com o advento do Império os eventos se expandiram e passaram a durar o dia inteiro. Animais desconhecidos do grande público eram importados das áreas conquistadas para conferir maior glamour ao acontecimento. O Coliseu era o local onde o imperador demonstrava toda a sua força ao povo, mas também era o lugar onde a população celebrava a glória do Império e o orgulho de integrá-lo.

No Coliseu as arquibancadas eram preenchidas hierarquicamente. Os ricos e poderosos ocupavam os bancos da frente; e a massa, as fileiras mais altas. O funcionamento do espetáculo simbolizava a maneira como a sociedade se organizava. Por meio dos grandes combates se exercia o controle social, evidenciando-se, nas entrelinhas, que somente à elite cabia um papel ativo dento dessa sociedade. Era a estratégia conhecida como “PÃO e CIRCO”, ou seja, enquanto o povo estivesse ocupado assistindo aos combates, fecharia os olhos para a corrupção e não se preocuparia com os problemas sociais e econômicos que os afligiam.

Se não tivesse utilizado neste artigo conceitos como IMPÉRIO, GLADIADOR, COLISEU, COMBATES SANGRENTOS, etc. qualquer leitor juraria que estava retratando rigorosamente o atual ambiente político no Estado do Pará. O Governo do Estado, com a inestimável ajuda do Sr Ricardo Teixeira, Presidente da Confederação Brasileira de Futebol há décadas, tenta demonstrar preocupação com o bem estar dos seus governados patrocinando uma partida de futebol entre as seleções “improvisadas” do BRASIL e ARGENTINA que ocorrerá nos últimos dias do mês de setembro deste ano. Um verdadeiro evento “tapa boca” para o povo paraense esquecer que a capital do Estado foi rejeitada para sediar jogos da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Se na Roma antiga existisse o registro de marcas e patentes, não tenho dúvida que os políticos “papa chibés” seriam processados por plágio ao tentar iludir o povo como os latinos de outrora.

Para realizar essa empresa, a Administração paraense se aliou a Teixeira sem o menor pudor, mesmo sabendo que o “cartola” está envolto em denúncias de fraudes e outras impropriedades no exercício do cargo. Tudo para dar aos paraenses o que mais lhes agrada: a sensação de felicidade, mesmo que não haja qualquer correlato empírico. Como o futebol tem um poder sedutivo sem igual para o tolo povo brasileiro, é perfeitamente compreensivo que essa carência seja satisfeita com toda pompa e estultícia que a ocasião exige, afinal não se alimenta um animal carnívoro com salada de alface.

Por isso, nos tempos atuais, no lugar do Coliseu temos o Estádio Edgar Proença (vulgo MANGUEIRÃO). Substituindo as feras importadas e os gladiadores, se apresentarão os heróis “pernas de pau” Rolnaldinho Gaúcho, Paulo Henrique “Ganso” (que, aliás, não jogará porque está estropiado), Neymar e Cia. Como na antiguidade, o Governo investe no espetáculo para que o povo esqueça que a SANTA CASA DE MISERICÓRDIA pede misericórdia; a SEGURANÇA PÚBLICA, proteção; os HOSPITAIS REGIONAIS, socorro; a EDUCAÇÃO, educação; o INTERIOR DO ESTADO, lembrança; a ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, virtudes morais; as OBRAS PÚBLICAS, cronograma; os ATOS ADMINSTRATIVOS, transparência ...

Compondo o pirotécnico cenário, os membros do MP e Tribunais de Contas - como os cônsules da Roma imperial -, atuam como meras figuras decorativas. Suas ações são aquelas “sem as quais as coisas ficam tais e quais". Já os parlamentares da terra do asfalto e do açaí são a "imagem e semelhança" do Senado corrupto da Roma republicana. Por fim, o povo - como um viciado incontido - encena o imutável papel de EXPECTADOR do grande evento ufanista, demonstrando a sua INFINITA CAPACIDADE DE SER RIDÍCULO. Pode não ter o que comer, mas é capaz de adquirir um ingresso para o glamoroso evento por, no mínimo, 90 reais (algo em torno de 20% DO SALÁRIO MÍNIMO) e ainda, como os viciados em drogas alucinógenas, se julgar beneficiado por ter participado de uma fantasia perniciosa chamada FUTEBOL.

Nesse contexto, a Roma antiga e o Pará hodierno fortalecem a crença – muito difundida na Modernidade – de que existe uma NATUREZA HUMANA suscetível às artimanhas de controle e dominação criadas pelo próprio homem. Sem esse traço psicológico comum à espécie humana nenhum Império Romano ou república Paroara alcançaria tamanho sucesso na arte de enganar os seus governados. Em outras palavras, os espertalhões de hoje, e de ontem, são beneficiados pela inefável capacidade humana de pensar a realidade como uma grande e “espetaculosa” ilusão.

O caso Nardoni: o testemunho da prova científica (Ou "O mito do conhecimento objetivo")



“Nada é mais importante que ver as fontes
da invenção que são, em minha opinião, muito
mais importantes que as próprias invenções”
(Leibniz)

Começo este artigo dizendo que, em nossa sociedade, a ciência virou um mito. Os reflexos dessa crença se manifestam, principalmente, quando se acredita que os produtos do conhecimento científico são inquestionáveis, gerando um comportamento dogmático ante o próprio ato de conhecer. O recente julgamento do casal Nardoni, acusados de matar a pequena Isabela, esganando-a e jogando-a do 6º andar de um edifício na Cidade de São Paulo, exemplifica categoricamente essa postura do homem moderno. Desde o promotor do caso, que tinha pleno domínio dos autos, ao mais desinformado dos cidadãos brasileiros, todos estavam convictos de que a sentença condenatória foi justa, afinal as provas periciais não deixaram dúvidas sobre a autoria do crime. Ficou explícito que ante a “manifestação da ciência” não há discussão possível.

Mas, uma coisa é a decisão condenatória, outra é a verdade dos fatos. A verdade não tem relação necessária com os autos, nem com a sentença. À revelia dessa questão de natureza epistemológica, os jurados cumpriram o papel que lhes foi delegado: decidiram. E o fizeram segundo critérios predominantes na sociedade. Acreditaram na veracidade das provas científicas apresentadas. Todos consideraram que o conjunto apuratório foi convincente, mesmo sem a confissão dos réus e a existência de testemunhas oculares. A justiça teria sido feita.

No entanto, sejam os réus culpados ou não, não me proponho a contestar os resultados obtidos pela investigação e referendados pelo juri, mas, antes, analisar o caminho percorrido para a elaboração da teoria que, aos olhos da população tupiniquim, pareceu ser a correta. Mais que a análise dos resultados obtidos, compreendemos melhor um discurso quando trilhamos o caminho de sua elaboração.

Partamos, pois, dos fatos, ou melhor, do fato primordial: a precoce morte da vítima. Os réus, em juízo, negaram qualquer participação para a produção desse resultado. Sugeriram, naturalmente, a hipótese da terceira pessoa, que, não tendo sido identificada, se desvaneceu.

Ora, nessas ocasiões, o que faz o investigador policial? Constrói hipóteses, segundo esquemas de funcionamento da realidade, que entende serem possíveis de ocorrer. Como pano de fundo da sua construção intelectual está a crença de que o mundo é racional e cognoscível, isto é, opera segundo uma ordem e é capaz de ser apreendido pelo pensamento. Assim, é comum, em situações como essas, dizer: “acredito que o crime teve motivações políticas”, “foi queima de arquivo”, “crime passional”, “foi motivado por uso de substâncias tóxicas”, etc. Enfim, o nosso “cientista”, diante dos elementos preliminares, sugere como o acontecimento - que por ele não foi presenciado - ocorreu, como se a experiência obtida com os casos anteriores lhe conferisse certa autoridade para supor o que teria ocorrido no caso presente. Talvez a lendária figura de Sherlock Holmes nos faça crer, além do razoável, no poder dedutivo do intelecto humano.

Antes de qualquer coisa, é preciso considerar que o investigador tem uma reputação a ser preservada e ela repercute diretamente em seu desempenho funcional. Promoções, nomeações, condecorações, etc., são concedidas, normalmente, em função da maneira como se comporta no exercício do cargo. No mesmo rastro, governantes – mas, por questões políticas - também possuem interesse na solução dos crimes que ocorrem em sua circunscrição, principalmente quando o delito, por uma razão qualquer, ganha publicidade acima da normal. Não encontrar o criminoso é atestado expresso de incompetência e ineficiência do poder público, podendo gerar reflexos emocionais e comportamentais na comunidade onde o fato ocorreu. Em qualquer hipótese é sempre conveniente "encontrar" o transgressor, tenha ele “cometido ou não o delito”. Quando os fatos que repercutem no meio social são desvendados, todos ficam felizes, menos, é claro, as vítimas e os possíveis autores do crime. Eis o porquê de a movimentação do aparato estatal nunca ser isenta ou imparcial.

Existindo, pois, motivação para solucionar o caso, era preciso buscar os provas que confirmariam, pelo menos, uma hipótese de como o crime ocorreu. Um fato só tem significação na medida em que acrescenta ou diminui a plausibilidade de uma teoria. No crime da pequena Isabela, os investigadores não encontraram uma terceira pessoa, logo não seria produtivo seguir esse azimute. Não basta explicar o crime, é preciso, do ponto de vista do imaginário coletivo, identificar e prender o criminoso para saciar o sentimento de justiça. A precariedade das informações iniciais não constitui o problema. O DESCONHECIDO é o objetivo maior de todo pesquisador. O inquérito, como toda investigação, busca o invisível e as teorias são enunciados sobre esse invisível. Este é o problema crucial da persecução da “verdade”. É preciso recorrer à imaginação para construir a realidade.

Todo trabalho intelectual não parte dos fatos, mas de um modelo de funcionamento dos fenômenos. No caso Nardoni, tanto os policiais como os peritos partiram de um esquema prévio para, em seguida, buscarem os dados necessários às suas confirmações, como um quebra-cabeça cuja figura já se conhece, mas que carece das peças para a sua construção. Esse modelo, criado pelo próprio homem, foi utilizado na elaboração da teoria que, em termos jurídicos, chamamos de processo. É nesse sentido que Immanuel Kant, filósofo alemão do séc. XVIII, afirmou que jamais conhecemos a coisa em si (o noumenon), apenas o fenômeno, isto é, aquilo que se apresenta a capacidade cognitiva do sujeito. Não somos capazes de conhecer a essência das coisas, apenas as suas aparências. Diz o filósofo: “A razão só pode compreender aquilo que ela mesma produz de acordo com um plano que ela mesma elaborou. Ela se aproxima da natureza não como um aluno que ouve tudo o que o professor se decide a dizer, mas como um juiz que obriga a testemunha a responder questões que ele mesmo formulou”.

Partindo dessa premissa, podemos dizer que tanto os investigadores policiais, como os peritos criminais, inexoravelmente, lançaram mão da IMAGINAÇÃO no curso do trabalho de elucidação do crime. Eles utilizaram armadilhas intelectuais, segundo o entendimento que tinham a respeito do movimento de suas presas. O que torna alguém um bom caçador não são os instrumentos utilizados durante o ato de caçar, como espingardas, revólveres, facas, arapucas, etc. – eles são fáceis de adquirir –, mas o conhecimento que o sujeito possui de como a caça se comporta. As teorias são como malhas que os caçadores lançam para pegar o animal que lhes interessa. Por isso um bom caçador conhece os hábitos de sua caça, o que lhe permite apostar na maneira como ela agirá, permitindo-lhe traçar uma estratégia para capturá-la.

Com fim exclusivamente pedagógico utilizarei uma alegoria para elucidar o raciocínio aqui exposto. Imaginemos, inicialmente, um crime praticado com arma de fogo. Tem-se a vítima, o acusado e a arma que teria sido utilizada para a sua efetivação. O investigador policial reúne esses elementos em um contexto significativo. Depois encaminha a arma, a vítima e o acusado para perícia, elaborando os quesitos que, segundo o seu esquema teórico, são capazes de esclarecer o delito. A partir desses elementos o perito vai aferir se o projétil encontrado no corpo da vítima é compatível com a arma apreendida, se existem fragmentos de pólvora nas mãos do acusado, a possível distância do disparo, etc. Neste caso, o desvelamento do ocorrido foi facilitado pelas circunstâncias encontradas e facilmente organizadas num corpo teórico explicativo, cabendo ao perito apenas confirmá-las para a conclusão do processo apuratório. Se houver COMPATIBILIDADE dos elementos coletados o perito poderá responder, com "valor de verdade", aos questionamentos formulados, confirmando a explicação elaborada pelas autoridades policiais. Consideremos agora outra hipótese: o mesmo crime foi praticado, porém, sabem-se apenas quem foi a vítima, mas o autor e a arma não foram localizados. Durante a investigação, dez pessoas foram detidas para averiguação. Todas dispararam um revólver no mesmo horário do crime, porém de calibre diferente ao utilizado pelo assassino. Além disso, todos os suspeitos apresentaram álibe convincente e não possuem, a priori, motivações para praticar o ato delituoso. Neste caso, sem um contexto favorável para a elaboração de uma teoria de como os fatos se deram a investigação se depara com um impasse, cuja solução exigirá extrema habilidade dos investigadores. Desconsiderando a má fé dos agentes, a "elucidação" do crime, neste caso, dificilmente será conclusiva, como no primeiro caso. Isso porque as "mensagens" encontradas na cena do crime não disporão de um modelo para serem devidamente organizadas. Em outras palavras, o quebra-cabeça dificilmente será concluído.

O senso comum concebe as teorias científicas como produtos acabados, certos e racionais, desprezando o processa mágico de suas produções. É na elaboração das explicações dos acontecimentos que podemos compreender quão frágil são as teorias que são tomadas como verdadeiras, pois se ignora o expressivo papel da imaginação nesses processos. Acredita-se na ciência como o "conhecimento objetivo" por excelência.

No caso Nardoni a perícia foi determinante para a condenação do casal. As manchas de sangue no apartamento, recuperadas com produtos químicos; a identificação de marcas na camiseta do réu; a cronologia dos fatos; as marcas no corpo da vítima sugerindo esganadura e outras lesões (causa principal da morte), além de outros traumas decorrentes da queda do sexto andar. Tudo foi encaixado num corpo teórico capaz de produzir o sentido necessário à investigação criminal e o conseqüente amparo para a promotoria de justiça requerer a condenação do casal. Ocorre, porém, que tanto a investigação como a perícia são procedimentos que não asseguram, por si sós, a verdade do acontecimento. São interpretações, e como toda interpretação tem mais do sujeito que a realiza que do fenômeno analisado. As testemunhas do caso foram criadas pelos instrumentos tecnológicos como se eles pudessem viajar no tempo e registrar o crime em sua nudez objetiva. Assim, a tese apresentada pela acusação, durante o julgamento, venceu. Os réus foram condenados. Como eles não foram confessos e não foram arroladas testemunhas (humanas) oculares do fato, a perícia se encarregou de decifrar o enigma e nos contar aquilo que é apanágio dos deuses: a verdade. E quando se acredita que se possui a verdade, não há argumento possível.

Como a ciência se tornou inquestionável em nossa sociedade, vou recorrer ao conhecimento “incerto e duvidoso” por excelência: a ARTE, para concluir este artigo. lembrei-me do filme “A vida de David gale”. Gale é professor e ativista político contra a pena de morte nos EUA. Acusado de estupro e assassinato, é julgado e condenado à pena capital. No final surpreendente, descobre-se que ele é inocente, contrariando as provas constantes nos autos. Esse filme, como toda obra de arte, nos ajuda a pensar sobre a precariedade das TEORIAS humanas, quer científicas, religiosas ou filosóficas, principalmente quando estão no bojo de um processo judicial.

“Nós não conhecemos. Nós só podemos dar palpites” (Karl Popper).

Filosofilmes no IFPA (A onda: o poder do grupo sobre o indivíduo)

Filosofilmes no IFPA (A onda: o poder do grupo sobre o indivíduo)

IFPA - Campus Belém

Coordenação de Ciências Humanas

Atividade Complementar: Exibição de filme e debate

Filme: "A ONDA"

DIA: 25 de agosto de 2011, quinta-feira.

LOCAL: 3º piso da Bilbioteca Central do IFPA.

HORA: 09:00 h


O filme “A onda” tem início com o professor de história Burt Ross explicando aos seus alunos a atmosfera da Alemanha, em 1930, a ascensão e o genocídio nazista. Os questionamentos dos alunos levam o professor a realizar uma arriscada experiência pedagógica que consiste em reproduzir na sala de aula alguns clichês do nazismo: usariam o slogan “Poder, Disciplina e Superioridade”, um símbolo gráfico para representar “A onda”, etc.

O professor Ross se declara o líder do movimento da “onda”, exorta a disciplina e faz valer o poder superior do grupo sobre os indivíduos. Os estudantes o obedecem cegamente. A tímida recusa de um aluno o obriga a conviver com ameaças e exclusão do grupo. A escola inteira é envolvida no fanatismo d’A onda, até que um casal de alunos mais consciente alerta ao professor ter perdido o controle da experiência pedagógica que passou ao domínio da realidade cotidiana da comunidade escolar.

O desfecho do filme é dado pelo professor ao desmascarar a ideologia totalitária que sustenta o movimento d’A onda, denuncia aos estudantes o sumiço dos sujeitos críticos diante de poder carismático de um líder e do fanatismo por uma causa.

Embora o filme seja uma metáfora de como surgiu o nazi-fascismo e o poder de seus rituais, pode conscientizar os estudantes sobre o poder doutrinário dos movimentos ideológicos políticos ou religiosos. O uso de slogans, palavras de ordem e a adoração a um suposto “grande líder” se repetem na história da humanidade: aconteceu na Alemanha nazista, na Itália fascista, e também no chamado ‘socialismo real’ da União Soviética, principalmente no período stalinista, na China com a “revolução cultural” promovida por Mao Tsé Tung, na Argentina com Perón, etc. Ainda, recentemente, líderes neo-populistas da América Latina, valendo-se de um discurso tosco anti-americano, conseguem enganar uma parte da esquerda resistente a aprender com a história.

Continua sendo atual o discurso do professor Ross, proferido no final de “A onda”:

“Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores. Todos vocês teriam sido bons nazi-fascistas. Certamente iriam vestir uma farda, virar a cabeça e permitir que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos. O fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram. Ele está aqui mesmo em todos nós. Vocês perguntam: como que o povo alemão pode ficar impassível enquanto milhares de inocentes seres humanos eram assassinados? Como alegar que não estavam envolvidos. O que faz um povo renegar sua própria história? Pois é assim que a história se repete. Vocês todos vão querer negar o que se passou em “A onda’. Nossa experiência foi um sucesso. Terão ao menos aprendido que somos responsáveis pelos nossos atos. Vocês devem se interrogar: o que fazer em vez de seguir cegamente um líder? E que pelo resto de suas vidas nunca permitirão que a vontade de um grupo usurpe seus direitos individuais. Como é difícil ter que suportar que tudo isso não passou de uma grande vontade e de um sonho”.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Filosofilmes no IFPA (Ulisses: O símbolo da racionalidade da Grécia Arcaica)

IFPA - Campus Belém


Coordenação de Ciências Humanas


Atividade Complementar: Exibição de filme e debate


Filme: ULISSES, 1954, EUA


DIA: 18 de agosto de 2011, quinta-feira.


LOCAL: 3º piso da Bilbioteca Central do IFPA.


HORA: 09:00 h



O filme ULISSES é uma adaptação para o cinema da obra de Homero “A ODISSÉIA”. Depois da Guerra de Tróia o herói grego Ulisses (Odisseu) enfrenta diversos adversários no seu caminho para retornar à cidade de Ítaca, onde era rei e deixara a esposa, Penélope, e o filho Telêmaco.


Como todo mito, “A Odisséia” narra a trajetória do homem em busca do sentido da vida ou de si mesmo. Os grandes feitos do herói (experiências excepcionais) podem ser interpretados como lutas internas que travamos na busca da superação das limitações humanas ante as adversidades da vida.


Agimos em sociedade em relação a um sistema (certa programação). Será que o sistema vai nos devorar e tirar de nós a natureza humana ou vamos utilizar o sistema para realizar objetivos humanos?


Como devemos nos relacionar com o sistema sem servir a ele? Mesmo quando não podemos mudá-lo, podemos viver nele como ser humano. Como isso é possível? Não cedendo. Resistindo às exigências impessoais do sistema, ou seja, dando atenção aos pedidos do nosso coração.


Interessamo-nos por essas histórias fantásticas porque há sempre um herói dentro de nós. Mas esse herói não tem o condão de nos impelir a “salvar o mundo”, no sentido de mudar as suas regras, no entanto pode nos permitir descobrir, em cada caso pessoal, ONDE ESTÁ A VIDA E VIVÊ-LA.


Existe um centro que nos apóia (aqui - agora) e que apenas podemos saber. Os mitos servem para nos elevar a certo tipo de consciência (que não é material), num mundo em que tudo tem uma consciência.


Ulisses, tanto na “Odisséia” como na “Ilíada’, é o símbolo do discernimento, da capacidade do homem de superar as adversidades, sejam físicas ou psicológicas. A ele se atribuiu o ardil do “cavalo de madeira” que permitiu aos gregos penetrar em Tróia e obter a vitória. Protegido por Atenas (deusa da estratégia) e perseguido por Poseidon (deus dos mares) passou 20 anos no Mediterrâneo em regresso à Ítaca.


Durante a viagem, Ulisses enfrentou Polifemo, filho de Poseidon, um ciclope (gigante com apenas um olho) que o herói enfrentou. Após embriagá-lo Ulisses o superou, cegando-o. Esta passagem simboliza o combate, com a astúcia e inteligência, contra o lado animal que todos possuímos.


Em seguida, o herói passa pelo mar das sereias (pássaros com cabeças de mulheres) e usa a estratégia de se deixar amarrar ao mastro central do navio para não sucumbir ao inebriante canto das figuras mitológicas. Mostra que para enfrentar as artimanhas das paixões é preciso se antecipar com planejamento e ardil.


Na ilha da deusa/bruxa Circe, mais uma vez Ulisses precisa estabelecer limites aos desejos e prazeres - que aparecem no caminho de todo e qualquer viajante - para resistir aos “encantos’ da linda bruxa que transformava homens em porcos (animais domésticos).


“A ODISSÉIA", como qualquer relato mítico mostra que a vida é cheia de obstáculos e os desafios são para nos fortalecer, porque, como os heróis, podemos ser os protagonistas da nossa própria existência.