sábado, 9 de junho de 2012

O que para o homem comum é entretenimento, para o filósofo é relação de poder (Ou: "A mídia e o controle social")



As 10 estratégias de manipulação midiática

1. A estratégia da distração. O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado; sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja com outros animais (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Esse método também é denominado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público a fim de que este seja o mandante das medidas que desejam sejam aceitas. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o demandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos.

3. A estratégia da gradualidade. Para fazer com que uma medida inaceitável passe a ser aceita basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira, condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990. Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. A estratégia de diferir. Outra maneira de forçar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e desnecessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque o público, a massa tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5. Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade. A maior parte da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade mental, como se o espectador fosse uma pessoa menor de idade ou portador de distúrbios mentais. Quanto mais tentem enganar o espectador, mais tendem a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Ae alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, em razão da sugestionabilidade, então, provavelmente, ela terá uma resposta ou ração também desprovida de um sentido crítico (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)”.

6. Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão. Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional e, finalmente, ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de aceeso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos…

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade. Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais menos favorecidas deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeja entre as classes menos favorecidas e as classes mais favorecidas seja e permaneça impossível de alcançar (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. Levar o público a crer que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto.

9. Reforçar a autoculpabilidade. Fazer as pessoas acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça, devido à pouca inteligência, por falta de capacidade ou de esforços. Assim, em vez de rebelar-se contra o sistema econômico, o indivíduo se autodesvalida e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de sua ação. E sem ação, não há revolução!

10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem. No transcurso dosúltimos 50 anos, os avançosacelerados da ciência gerou uma brecha crescente entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem disfrutado de um conhecimento e avançado do ser humano, tanto no aspecto físico quanto no psicológico. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior do que o dos indivíduos sobre si mesmos.

* Linguista, filósofo e ativista político estadunidense. Professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts

A história das coisas (Ou: "A lógica voraz do consumo")

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Gurgel, Popper e a objetividade do conhecimento. (Ou: “A ciência a serviço da omissão”)

Para compreendermos a conduta humana devemos investigar o que é capaz de causar o mal ou provocar o bem aos membros desta espécie, mesmo que tais sensações não passem de um mero truque psicológico. O Homem sempre tentou se aproximar do que lhe agrada e se afastar do que teme. Eis a razão de algumas mães ainda insistirem em controlar os filhos com histórias como a do “homem do saco”. Da mesma forma se exerce o poder na esfera científica e política, isto é, manipulando o conhecimento para garantir benefícios aos “aliados” e o “mármore do inferno” aos desafetos.
Para escamotear a subjetividade do Direito e da Política, inventou-se, na seara pública, a ideia de IMPESSOALIDADE dos atos humanos, “garantida” por mecanismos “eficazes” de obtenção da verdade. Assim, instituiu-se o PROCESSO, a LICITAÇÃO, o CONSURSO PÚBLICO, o PARECER TÉCNICO, as PROVAS DOS AUTOS, a PERÍCIA TÉCNICA, a SENTENÇA, etc., como garantia de objetividade. Diante de tais instrumentos a verdade estaria assegurada no âmbito estatal e banida as práticas movidas por interesses pessoais.
Desde então, a propaganda oficial tenta convencer a todos – pelo menos aos despreparados intelectualmente – que esses mecanismos de obtenção da “realidade objetiva” impediriam a utilização do poder estatal de forma subjetiva e pessoal, pois a vontade estaria circunscrita a esses instrumentos e a conduta humana não seria livre.  Tudo ocorreria como se o mundo objetivo e o subjetivo fossem instâncias independentes e sem qualquer comunicação.
Diante desse funesto quadro parece oportuno recorrer a um filósofo da Ciência para abalizar o nosso raciocínio.  Coube ao austríaco Karl Popper desmistificar e crença da existência de um conhecimento que fosse, de fato, objetivo. A ciência não teria o condão de produzir a verdade, mas, no máximo, conjecturas que, ao serem submetidas à comunidade científica, resistissem o mais possível às tentativas de refutação. Logo, mais científica seria a teoria que resistisse às criticas que lhe fossem dirigidas pelos outros especialistas. O conhecimento se desenvolveria, segundo o filósofo, num processo contínuo de erros e acertos – como o processo de “seleção natural” de Darwin -, em que a hipótese “mais apta” seria a que melhor resolvesse o problema que se destinou a resolver e que resistisse a crítica melhor que as hipóteses concorrentes.   
Em outras palavras, mesmo no campo científico a verdade não seria absoluta e objetiva, quiçá no campo administrativo e político. Popper é fundamental para não engolirmos a conversa de que de que a vontade humana não participa da produção teórica, seja qual for o campo ou tipo de conhecimento.  No Direito, enquanto uma contestável “Ciência Humana”, não é diferente, faz-se o que bem entende com esse conhecimento.
É nesse contexto que se insere a conduta do Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, de ENGAVETAR, desde 2009, os autos de um Inquérito Policial que apurou práticas ilegais do senador Demóstenes Torres. Ele reteve os autos enquanto pode e, somente em 2012, após o fato ganhar publicidade, o endereçou ao Supremo Tribunal Federal para a propositura da Ação Penal. PROCRASTINAÇÃO PURA! Mas o PGR negou, de pés juntos, que pretendia beneficiar alguém, foi unicamente movido (ou petrificado) pela objetividade do conhecimento jurídico que não lhe deixou alternativa e lhe “obrigou” a engavetar os autos por um largo lapso temporal. Um caso clássico em que a ciência está a serviço da omissão.   
Gurgel agiu como a mãe que usa a história do “homem do saco” para submeter o filho desobediente. O amedronta quando lhe convém, afinal o seu poder decorre da história que pode contar. Enquanto pode, Gurgel reteve o IP, pois é na omissão que reside o caráter torpe do seu poder, pois o uso da violência simboliza exatamente o contrário: a perda do poder.
Mas para justificar o ato criminoso que praticou, o PGR utilizou a infantil tese da inexorável defesa da verdade, como se a boa técnica jurídica o tivesse determinado a reter os autos por anos a fio para melhor cumprir o seu mister, tentando assim desconstituir a inconteste e flagrante manipulação que operou para que o senador Demóstenes não fosse oportunamente processado.
Todos (ou quase todos) sabem que no Direito e na Política TEMPO É OURO.
Mas aqueles que leram Popper sabem que não há conhecimento objetivo na Ciência - muito menos na política – capaz de submeter o homem e impedir que beneficie ou prejudique quem lhes convém.  
Gurgel, como a maioria dos humanos, não resistiu à tentação de usar o poder para atingir um propósito pessoal, escondendo-se sob o manto torpe da ilusória objetividade do conhecimento científico.
Em outras palavras, Gurgel é tão bandido quanto Demóstenes!                     

sábado, 31 de março de 2012

A excomunhão da tolerância (Ou: “A verdade é aquilo que a maioria acha que é”)

Ganhou larga publicidade em nível nacional a excomunhão dos médicos que realizaram, com autorização judicial, um aborto numa menina de 09 anos, vítima de estupro, em Pernambuco. A mãe da infante também foi apenada pela igreja católica com a mesma sanção.

Até o ministro da saúde, José Temporão, e o presidente da república, Luis Inácio Lula da Silva, concordaram com a decisão da família da vítima em dar crédito à teoria científica (expressa pelos saberes médico e jurídico) e criticaram o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, autoridade religiosa anunciador da pena eclesiástica.

Não pretendo, neste lacônico artigo, dizer quem tem razão nessa demanda entre o conhecimento científico e religioso, mas suscitar alguns pressupostos teóricos sobre o tema, capazes de nos ajudar a pensar sobre a questão proposta.

O Estado brasileiro é laico, secularizado ou profano, isto é, independente do poder da igreja. Essa independência é característica do Estado Moderno ocidental. A classe burguesa precisava, no início da modernidade, sair do jugo do Estado Medieval - personalizado na figura real - e da igreja. A igreja legitimava o poder real, concebendo-o como expressão da vontade de Deus. Nesse momento histórico Igreja e Estado tinham estreitas relações.

Por outro lado, os impostos e o pagamento de indulgências penalizavam a classe emergente. Sob o manto de um novo corpo teórico racionalista (amparado por uma filosofia e ciência modernas) surgiu esse novo Estado cujo poder é explicado não mais como a expressão da vontade divina, mas resultante de um grande PACTO, ACORDO ou CONTRATO. O seu fundamento agora é humano. Por essas e outras razões o Estado Moderno se “divorcia” da igreja e as explicações que nele vicejam não possuem mais um caráter divino ou mágico.

A ciência, “filha” do Estado Moderno, passa a ser considerada a conquista maior da racionalidade humana. As explicações empíricas, religiosas ou filosóficas são ofuscadas pelo seu poder embriagante. È compreensivo que hoje confiemos a solução de grande parte dos nossos problemas ao saber científico. A ciência se transformou em um mito. Por isso, não sem razão, o povo brasileiro aquiesceu à explicação da Medicina e do Direito, refutando a posição da religião. Logo o presidente Lula, como bom político que é, se alinhou ao pensamento institucionalizado em nossa cultura.

Hoje, o entendimento preponderante no mundo acadêmico dá conta que as teorias científicas não são absolutas ou verdadeiras, mas explicações provisórias e limitadas da realidade, principalmente no campo das ciências humanas, como é o caso da Medicina e Direito. Em outras palavras, admite-se que os médicos e os juízes erram. Mas, o homem em nível de senso comum, por não submeter o saber científico à devida critica, ainda o tem como verdadeiro. Eis a razão da quase totalidade do povo brasileiro concordar com a decisão da família da menor em optar pelo aborto.

Por outro lado, o religioso (arcebispo de Olinda e Recife) agiu amparado, como era de se esperar, na teoria religiosa que tem como fundamento a revelação da verdade por um Deus todo-poderoso. Neste caso não há muito que fazer para quem acredita na revelação divina (a teoria sempre será verdadeira porque quem a dita é a autoridade religiosa). Se se acredita que é Deus quem fala aos homens, a sua palavra será sempre concebida como verdadeira. Por essas razões Dom José Cardoso Sobrinho agiu corretamente do ponto de vista do saber religioso. No conflito entre o discurso humano e o divino, o último, para quem tem fé, prepondera.

Eis que subjaz ao dilema instituído a marca da intolerância humana com o outro (com a maneira de pensar alheia). A verdade não está nas coisas, mas, supostamente, nas teorias e não há como asseverarmos qual delas é a melhor. Filiamo-nos a esta ou aquela posição em razão das crenças que possuímos de que a verdade é acessível ao intelecto humano, coisa que somente a posição ingênua é capaz de admitir.

Essa discussão não faria sentido se a igreja estivesse embricada com o Estado, como ocorre em boa parte dos países orientais. O que é absurdo para um, pode ser normal ou coerente para o outro. Se fossemos indianos, chineses, russos ou integrantes de uma tribo indígena não aculturada, a resposta para a gravidez da menor e o conseqüente aborto seria, com certeza, diferente.

Moral da história: A “verdade” varia em razão das condições históricas, geográficas, psicológicas, culturais, etc. A melhor resposta será sempre aquela que a maioria – por uma razão qualquer - entender que é.

Arte como forma de pensamento (Extraído de textos didáticos)


O artista é aquele que reconhece de maneira nova inusitada aquilo que está na percepção de todos, mas que, ninguém percebe. Que mundo é trazido pelo artista? Aquele eternamente novo. Eternamente, por que tão antigo quanto a percepção humana. Novo, por que ele percebe como nunca fora percebido pelos outros.
1- Arte é conhecimento intuitivo do mundo

Assim como o mito e a ciência são modos de organização da experiência humana – o primeiro baseado na fé e na crença e o segundo na razão –, também a arte vai aparecer no mundo humano como forma de organização, como modo de transformar a experiência vivida em objeto de conhecimento, desta vez através do sentimento.

O entendimento do mundo, não se dá somente por meio de conceitos logicamente organizados, estão longe do dado sensorial, do momento vivido. Ele também pode se dá através da intuição, do conhecimento imediato, da forma concreta e individual, que não fala à razão, mas ao sentimento e à imaginação.

E a arte é um caso privilegiado de entendimento intuitivo do mundo, tanto para o artista que cria obras concretas e singulares quanto para o apreciador que se entrega a elas para penetrar-lhes o sentido.

O verdadeiro artista intui a forma organizadora dos objetos ou eventos sobre os quais focaliza sua atenção. Ele vê, ou ouve o que está por trás da aparência exterior do mundo. Por exemplo, no filme Amadeus, de Milos Fortnan (Oscar de 1985), há uma cena que mostra didaticamente esse processo. A sogra de Mozart, emocionada e muito irritada, conta ao compositor por que a filha dela o abandonou. Mozart, que a princípio realmente procurava uma resposta para essa questão, lentamente deixa de prestar atenção às palavras para sintonizar com a melodia e ritmo do discurso. Ele ouve a musicalidade por trás do discurso inflamado e compõe uma ária para A flauta mágica. Assim, como´todo artista, Mozart percebe, pelo poder seletivo e interpretativo dos seus sentidos, formas que não podem ser nomeadas, que não podem ser reduzidas a um discurso verbal explicativo, pois elas precisam ser sentidas, e não explicadas. A partir dessa intuição, o artista não cria mais cópias da natureza, mas, sim, símbolos dessa mesma natureza e da vida humana.

Esses símbolos, portanto, não são entidades abstratas, não são entes da razão. Ao contrário, são obras de arte, objetos sensíveis, concretos, individuais, que representam por semelhança de forma, a experiência vital intuída pelo artista. Essa "interpretação só é possível em termos de intuição e não de conceitos, em termos de forma sensível e não de signos abstratos”.

A apreensão do concreto, do imediato, do vivido, é transportada para uma outra obra que, ela também, é um objeto concreto para o espectador. Assim, quando apreciamos uma obra de arte, fazemo-lo através dos nossos sentidos: visão, audição, tato, cinestesia e se a obra for ambiental, até o olfato.

É a partir dessa percepção sensível que podemos intuir a vivência que o artista expressou em sua obra, uma visão nova, uma interpretação nova da natureza e da vida. O artista atribui significados ao mundo por meio da sua obra. O espectador lê esses significados nela depositados.

Podemos dizer, então, que na obra de arte o importante não é o tema em si, mas o tratamento que se dá ao tema, que o transforma em símbolo de valores de uma determinada época.

A luz, a cor, o volume, o peso, o espaço, enquanto dados sensíveis, não são experimentados da mesma maneira na vida do dia-a-dia e na arte. No cotidiano, usamos esses dados para construir, através do pensamento lógico, o nosso conceito de mundo físico. Em arte, esses mesmos dados são usados para alargar o horizonte de nossa experiência sensível. Por exemplo, pelo uso incomum de cores ou sons, pela organização inusitada de um espaço, pela textura ou forma dada a um material, a nossa própria perspectiva da realidade é alterada. O artista não copia o que é; antes cria o que poderia ser e, com isso, abre as portas da imaginação.

1.1 O papel da imaginação na arte

O ponto de partida para todos os sistemas da estética tem de ser a experiência pessoal de uma emoção peculiar. Os objetos que provocam tal emoção chamamos obras de arte. Cada obra de arte produz uma emoção diferente. Esta emoção é chamada emoção estética, e se pudermos descobrir alguma qualidade comum e peculiar aos objetos que a provocam tal efeito, teremos descoberto a qualidade essencial numa obra de arte, a qualidade que distingue as obras de arte de outras classes de objetos.

Amadeus, de Milos Fortnan, Oscar de 1985

É exatamente a imaginação que vai servir de mediadora entre o vivido e o pensado, entre a presença bruta do objeto e a representação, entre a acolhida dada pelo corpo (os órgãos dos sentidos) e a ordenação do espírito (pensamento analógico).

A imaginação, ao tomar o mundo presente em imagens, nos faz pensar. Saltamos dessas imagens para outras semelhantes, fazendo uma síntese criativa. O mundo imaginário assim criado não é irreal. É, antes, pré-real, isto é, antecede o real porque aponta suas possibilidades em vez de fixá-lo numa forma cristalizada. Assim, a imaginação alarga o campo do real percebido, preenchendo-o de outros sentidos.

1.2 Etimologia da palavra estética

A palavra estética vem do grego aisthesis e significa "faculdade de sentir", "compreensão pelos sentidos", "percepção totalizante", significa a ação genérica de sentir; aquilo que está vinculado aos sentidos, às sensações. Está preocupada com o estudo do belo e isso somente é possível em face da obra de arte com seus princípios inerentes. A obra de arte, como manifestação sensível das idéias, da inteligibilidade de um sujeito humano, nos abre à possibilidade de reflexão a respeito de suas peculiaridades, suas características enquanto manifestação que cria a cultura dos homens.

Assim, a obra de arte é em primeiro lugar, individual, concreta e sensível, oferece-se aos nossos sentidos; em segundo lugar é uma interpretação simbólica do mundo, sendo uma atribuição de sentido ao real e uma forma de organização que transforma o vivido em objeto de conhecimento, proporciona a compreensão pelos sentidos; ao se dirigir, enquanto conhecimento intuitivo, à nossa imaginação e ao sentimento, torna-se objeto estético por excelência.

A Aesthesis como uma dimensão própria do homem, tem despertado, desde a Grécia antiga, interesse e preocupação no ser por aquilo que, efetivamente, o agrada. Essa disposição ao questionamento do belo, a busca incessante pela compreensão e delimitação do conceito de beleza move a estética no transpassar da vida humana como disciplina filosófica, como mera fruição, como criação, como um ideal ou como uma ruptura.

O termo estética foi empregado pela primeira vez por Baumgarten, notadamente em sua obra de 1750, Aesthetica, significando em primeiro lugar a ciência da percepção própria dos sentidos, em oposição à do conhecimento intelectual. Trata-se de uma ciência oposta à lógica e que tal autor designou de conhecimento obscuro e inferior, tendo sua fonte na sensação, na experiência sensorial.

Baumgarten assinalou como fim da estética a perfeição do conhecimento sensorial como tal, onde reside a beleza; a ciência do belo cujo núcleo vem constituído pela doutrina filosófica sobre a beleza.

1.3 Conceituação de estética: no uso vulgar, em artes e filosofia

O que é a estética?

O ramo da filosofia a que se dá o nome de estética inclui um conjunto de conceitos e de problemas tão variado que, aos olhos daquele que se inicia no seu estudo, pode parecer uma matéria demasiado dispersa e inacessível. Essa primeira impressão é compreensível, mas ultrapassável. Uma maneira de desfazer tal impressão é começar por esclarecer que a estética é a disciplina filosófica que se ocupa dos problemas, teorias e argumentos acerca da arte. A estética é, portanto, o mesmo que filosofia da arte. Mas há um problema com esta forma de apresentar a estética: o termo estética não tem sido sempre utilizado nesse sentido.

Na tentativa de desfazer essa dificuldade, a estética é muitas vezes apresentada como a disciplina filosófica que se ocupa dos problemas e dos conceitos que utilizamos quando nos referimos a objetos estéticos. Só que isso pouco adianta se não soubermos antes o que se entende por objetos estéticos. Podemos, contudo, acrescentar que os objetos estéticos são os objetos que provocam em nós uma experiência estética. Mas, resta-nos insistir e perguntar: O que é uma experiência estética? Uma resposta possível, mas sem ser circular – sem voltar ao princípio e afirmar que uma experiência estética é o que resulta da contemplação de objetos estéticos

No entanto, fazendo um levantamento do uso comum da palavra estética encontramos: Instituto de Estética e Cosmetologia, estética corporal, estética facial etc. Essas expressões dizem respeito à beleza física.

Se continuarmos a procurar, saindo agora do uso comum e entrando no campo das artes, encontraremos expressões como: estética renascentista, estética realista, estética socialista etc. Nesses casos, a palavra estética, designa um conjunto de características formais que a arte assume em determinado período e que poderia, também, ser chamado de estilo.

Resta, ainda, outro significado, mais específico, usado no campo da filosofia que se ocupa das questões tradicionalmente ligadas à arte, como o belo, o feio, o gosto, os estilos e as teorias da criação e da percepção artísticas. Sob o nome estética entende-se o ramo da filosofia que estuda racionalmente o belo e o sentimento que suscita nos homens.

Assim, mesmo em filosofia, a estética aparece ligada à noção de beleza. E é exatamente por causa dessa ligação que a arte vai ocupar um lugar privilegiado na reflexão estética, pois, durante muito tempo, ela foi considerada como tendo por função primordial exprimir a beleza de modo sensível.

É, pois, como filosofia da arte que a partir que se pode falar de estética. A filosofia da arte é, por sua vez, formada por um conjunto de problemas acerca da arte, para a resolução dos quais concorrem diferentes teorias.

 

sexta-feira, 9 de março de 2012

O pragmatismo político e o PT (ou “Ele rouba, mas faz”)


O novo presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, José Eduardo Dutra, admitiu, em entrevista publicada na edição do jornal “O Liberal” de 17 de fevereiro de 2010, que o PT, depois de 30 anos, transformou-se numa legenda PRAGMÁTICA. “Por questão de sobrevivência a gente não aceitava aliança. Em 2002 chegamos à presidência. Um Partido que chega a administrar amplos espaços de poder tem que entender e se adaptar à realidade. Não pode perder seus princípios, mas também não pode ficar amarrado no principismo”, declarou Dutra.

O pragmatismo é uma corrente filosófica que se originou nos Estados Unidos no século XIX que tem como fundamento para a aquisição do conhecimento a EXPERIÊNCIA. A realidade não é tomada como algo material e/ou abstrato – como descreveu boa parte da tradição filosófica ocidental até então -, mas como um conjunto de experiências. Logo, para melhor nos conduzir, precisamos entender essa característica relacional e prática do mundo. Um enunciado somente pode ser considerado como verdadeiro se, diante da experiência (do pesquisador e de outros), for o mais cotado para ser intuído como tal. A experiência é o critério a ser considerado a cada investigação científica ou em nível de senso comum. Esse paradigma filosófico caracteriza-se, pois, pela ênfase dada às CONSEQUÊNCIAS – utilidade e sentido prático – como componentes vitais da verdade.

Não podemos nos esquecer que essa “ética consequencialista” já tivera como expressivo representante, no período renascentista, o grande filósofo Maquiavel. Mas, neste caso, a preocupação com os fins da ação tinha como “pano de fundo” a necessidade de organização de um Estado fragmentado política e economicamente: a Itália.

No campo científico e filosófico, o pragmatismo é controlado pela comunidade acadêmica; no político, é enfiado “goela abaixo”. O útil e verdadeiro são ditados pelos detentores do poder sem que ninguém os conteste. Para nos convencer das escolhas feitas em nome dos jurisdicionados, utilizam, paradoxalmente, categorias absolutas de pensamento, como bem estar, prosperidade, progresso, felicidade, etc.

O discurso do presidente do PT evidencia claramente esse tipo de pragmatismo. Na política partidária brasileira existem duas entidades metafísicas que não se misturam: o Partido e o Governo. Aquele é, por natureza, essencialista, com princípios e tudo; este, por necessidade, é pragmático. O primeiro tem como fundamento o discurso; o segundo, a ação. Quando a prática não produz bons resultados, o discurso se encarrega de justificar; quando o discurso é desrespeitado, o é porque a prática assim o exigiu. Em outras palavras, o pragmatismo político brasileiro admite contradições e mentiras, desde que seja para o “bem do povo”.

Essas manobras são facilitadas porque o pragmatismo, antes de qualquer coisa, é uma teoria, e, como tal, é construído por meio de jogos de palavras, que, normalmente, estão a serviço de alguém. Na política, a manipulação desses instrumentos é prerrogativa de quem se dispõe a participar do “jogo do poder”. Como essa doutrina defende o desapego a referenciais absolutos, acaba, em alguns casos, instituindo certo tipo de relativismo moral, com o qual se justifica qualquer coisa. Eis a razão de a população possuir aversão à política partidária no Brasil. Não é fácil pensar numa realidade que se amolda, a cada momento, aos fins de determinada pessoa ou grupo social, como se fosse de toda sociedade. Isso ocorre porque a estrutura psíquica do homem ocidental ainda é constituída por princípios supremos (verdade/falsidade, realidade/ilusão, juto/injusto, etc.). Somos psicologicamente platônicos (ainda sonhamos com seres ideais), mas temos uma prática política pragmática, porém no sentido mais torpe que o conceito pode admitir.

O pragmatismo do qual José Dutra parece se orgulhar, por não possuir controle e oposição responsável em nosso país (ela é, normalmente, aliciada com cargos e dinheiro público) justifica qualquer tipo de prática. Direto, moral, ciência ou qualquer outro corpo de regras e princípios se subordinam aos interesses do “chefe” sem qualquer propósito coletivo. O certo e o errado são aquilo que os “inquilinos do poder” desejarem. Com esse pragmatismo volátil e conveniente é possível justificar a tolerância com os “mensaleiros”, aliança com partidos fisiológicos, palanques “duplos” ou “triplos”, condescendência com fraudadores de obras públicas, desrespeito aos Tribunais de Contas, indicação de “apaniguados” para tribunais superiores, apoio a países que desrespeitam acordos internacionais e normas de direitos humanos, perdão ou condescendência a políticos corruptos, etc.

O pragmático lula é, acima de tudo, um grande psicólogo. Percebeu que todo político que se preza precisa dar algo que o povo quer para ser adorado. Com políticas assistencialistas e incentivos fiscais para determinados setores da economia, mesmo à custa da dívida pública, ampliou o mercado interno causando a sensação de prosperidade. Ele sabe que televisão, geladeira, móveis e um prato de comida é o sonho de consumo da maioria dos brasileiros. Já em educação o investimento foi pífio, posto que o conhecimento não é algo objetivamente mensurável. Aquilo que não é tangível e reconhecido como um bem pelo conjunto da sociedade, não recebe a atenção prioritária dos políticos que se associam a esse raciocínio de resultados.

Na política tunipiquim não falta mais nada. Utiliza-se de uma corrente de pensamento para sustentar práticas abomináveis. Neste caso, pragmatismo tornou-se sinônimo de pilantragem e safadeza, sem a qual não se faz política em nosso país. A coisa é tão esdrúxula e, às vezes, até hilária, que na terra do açaí e do asfalto ainda se costuma definir as “virtudes” de um líder político local com um jargão bastante “pragmático”: “ELE ROUBA, MAS FAZ”.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O pecado está dentro de nós. (ou ”A moral da intenção”)


Depois de criar o céu e a terra, os animais, as plantas e tudo mais em perfeita harmonia, Deus resolveu criar o homem à sua imagem e semelhança. Colocou Adão e Eva no paraíso. Deu-lhes uma vida confortável. Mas, apesar dos incomensuráveis favores divinos, eles, voluntariamente, desobedeceram à ordem do Criador de não colher o fruto da árvore do bem e do mal. Como resultado da desobediência originária, as criaturas foram acometidas de toda sorte de sofrimentos, para si e seus descendentes, inclusive com a possível condenação ao inferno.

Mas por que uma simples inobservância à restrição divina gerou conseqüências tão cruéis a Adão, Eva e toda a humanidade? Deus com seu infinito saber não poderia prever que a sua criatura lhe desobedeceria?

Em primeiro lugar não podemos interpretar o texto religioso como um tratado de lógica. Não faria sentido. A religião não está no âmbito do certo ou do errado. O discurso religioso é construído por metáforas, parábolas ou alegorias com propósitos meramente morais, isto é, possui a finalidade de orientar o homem a como proceder nesta ou naquela situação. São artifícios pedagógicos. O que não impede alguns espertalhões de o considerarem (o discurso) com valor histórico, dando-lhe contorno de misticismo. Com isso prometem curas e milagres somente admitidos por pessoas que não possuem uma visão sistêmica da religião.

Depois, a noção de pecado (como a pensamos hoje), embora tenha o seu fundamento no texto bíblico, funcionou mais ainda a partir das definições elaboradas pelos grandes filósofos da Idade Média. Santo Agostinho a circunscreveu, com implicações legalistas e jurídicas, como “toda ação, palavra ou cobiça contra a lei eterna”. A inobservância à lei desvia o homem de Deus e o arrependimento funcionaria como a conduta inversa. Tomás e Aquino, seguindo a mesma linha, acrescentou à noção agostiniana os erros por omissão.

Para justificar a transgressão inicial, os teóricos da igreja introduziram o conceito de “livre arbítrio” com o qual o homem passou a ser responsável por seus atos. Instaura-se assim no ocidente o medo como um estado subjetivo de quem transgride a lei divina (de quem peca) e, consequentemente, não está apto à salvação. Para o cristão, a própria consciência é o seu algoz. Surge a moral da intenção amparada por uma culpabilização intensiva. Institui-se a má consciência.

A punição que era exterior, no judaísmo, aplicada por um Deus pai e criador – um Deus forte e justo, mas austero -; agora, no Cristianismo, é interior, aplicada pelo próprio sujeito, posto que o Deus cristão – embora pai e criador como o do Velho testamento – é mais amoroso, pune menos e é compreensivo.

Quais as conseqüências para o homem ocidental, a partir das mudanças introduzidas pelo Cristianismo, com a transferência da culpa e da punição para o interior do sujeito?

Antes de qualquer coisa analisemos a doutrina instituída por Jesus Cristo. O que faz Jesus? Institui uma coisa inteiramente nova. No lugar de defender a punição aos transgressores da Lei, ele canaliza para si a responsabilidade e prega o perdão, o amor, a amizade. E o mais inusitado é que esses sentimentos devem ser sinceros e promover um comportamento amistoso, principalmente com relação aos nossos inimigos. Não devemos revidar as agressões, mas dar a outra face. “Que absurdo!” poderíamos dizer. Mas, apesar de toda estranheza, essa forma de pensar “contaminou”, no sentido moral, todo o ocidente.

É claro que do ponto de vista prático o pensamento cristão ainda não vingou. Ainda somos muito egoístas e pouco amigos com relação ao próximo – lembremos da parábola do bom samaritano -, mas indubitavelmente funciona como um ideal quando pensamos e avaliamos a conduta humana, inclusive a nossa. Quando pensamos em uma sociedade pacífica e humana (que o digam os militantes em Direitos Humanos), o fazemos - mesmo para quem não professa a religião - de acordo com a doutrina cristã, tal a maneira com que esse pensamento se imiscuiu em nossa cultura.

A noção de pecado, desobediência e transgressão são institutos da religião judaico-cristã, mas a maneira de punir foi se modificando com o passar do tempo. Do “olho por olho” passamos para algo mais brando. Vamos assim construindo uma sociedade paradoxal, inspirada em ideais de “amor ao próximo”, mas que se realiza, nos "calabouços" do espírito humano, com a mesma crueldade de outrora.

Hoje, até quando não fazemos nada para mudar algo que reconhecemos como impróprio à condição humana, nos ressentimos pela omissão e nos sentimos culpados. E mesmo que seja somente em pensamento, nos punimos por não agir solidariamente em favor daqueles que não tiveram a nossa atenção, ou até fingimos não ver. Fingimos para que a má consciência não nos puma mais do que podemos suportar.

Esse não é apenas o paradoxo humano, mas a inevitável hipocrisia que a nossa cultura nos impõe.

P.S. – Como exemplo dessa forma de pensar a conduta humana instituída pelo cristianismo, temos o BBB, da Globo. Não queremos ser idiotas, caubóis, empregados domésticos, gays, etc.; nem fazemos algo para melhorar a vida dessas pessoas. Mas para contrabalançar essa disfarçada discriminação e repulsa votamos neles e nos sentimos felizes (e aliviados) quando logram êxito no programa.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Belém, 396 anos: a política do “pão e circo” (ou “O coliseu marajoara”)


Os diversos reinos e impérios criados pelo homem são admiráveis por diversos aspectos, mas nenhum, em toda história da humanidade, foi ao mesmo tempo poderoso, duradouro, extenso e influente quanto o Império Romano. Com superioridade militar, riqueza cultural e boa dose de oportunismo, sua hegemonia foi tão incontestável que parecia que ia durar para sempre.

Se Atenas nos legou a filosofia; Alexandria, a ciência (em especial a medicina); Roma, pelo seu caráter conquistador, desenvolveu sofisticado sistema jurídico (ainda hoje os cursos jurídicos pátrios possuem em seus currículos uma abordagem do direito romano). Era preciso organizar a vida pública para manter o poder, principalmente nas áreas conquistadas. Podemos imaginar que não foi tarefa fácil, naquela época, controlar diversos povos se rebelando simultaneamente, contando apenas com a força bélica. Nesse contexto, é inegável a grande habilidade dos romanos com a política, fazendo-os capaz de manter as rédeas do Império por tanto tempo. Tudo indica que os “benefícios” que propiciaram aos dominados superaram claramente as desvantagens. As elites governantes locais eram manipuladas para que mantivessem o povo das áreas conquistadas sob controle.

Um componente expressivo da estratégia política romana era a realização de grandes shows em anfiteatros abertos, onde pessoas e animais, literalmente, se digladiavam. A arena mais famosa, localizada em Roma, era chamada de COLISEU, com uma capacidade de, aproximadamente, 50 mil pessoas. Tornou-se, assim, um emblemático símbolo romano.

Na Roma Republicana, até 63 a.C, figuras públicas rivais, em busca de popularidade, patrocinavam as mais estrambóticas e sangrentas apresentações, com o claro propósito de obter votos. Com o advento do Império os eventos se expandiram e passaram a durar o dia inteiro. Animais desconhecidos do grande público eram importados das áreas conquistadas para conferir maior glamour ao acontecimento. O Coliseu era o local onde o imperador demonstrava toda a sua força ao povo, mas também era o lugar onde a população celebrava a glória do Império e o orgulho de integrá-lo.

No Coliseu as arquibancadas eram preenchidas hierarquicamente. Os ricos e poderosos ocupavam os bancos da frente; e a massa, as fileiras mais altas. O funcionamento do espetáculo simbolizava a maneira como a sociedade se organizava. Por meio dos grandes combates se exercia o controle social, evidenciando-se, nas entrelinhas, que somente à elite caberia um papel ativo dento dessa sociedade. Era a estratégia conhecida como “PÃO e CIRCO”, ou seja, enquanto o povo estivesse ocupado assistindo aos combates, fecharia os olhos para a corrupção e não se preocuparia com outras coisas.

Se não tivesse utilizado neste artigo conceitos como IMPÉRIO, GLADIADOR, COLISEU, COMBATES SANGRENTOS, etc. qualquer leitor desatento juraria que estava retratando rigorosamente o funcionamento da nossa Belém contemporânea. Se na Roma antiga tivesse o “registro de marcas e patentes”, não tenho dúvida que Duciomar, Helder Barbalho e outros seriam devidamente processados por plágio.

No lugar do Coliseu, temos a Aldeia Cabana, o Hangar e a Arterial 18. Substituindo as feras importadas e os gladiadores, se apresentam Ivete Sangalo, Fafá de Belém, Gaby Amarantos, Pinduca, Arraial do Pavulagem, Mestre Curica. etc. Hoje, como na antiguidade, os governantes patrocinam os espetáculos, com o dinheiro do povo, é claro. Enquanto isso o PSM pede socorro; a Santa Casa de Misericórdia, misericórdia; as obras públicas, um cronograma que seja respeitado; e os atos administrativos, transparência.

Compondo o pirotécnico cenário, os membros do MP e tribunais de Contas - como os cônsules da Roma imperial -, são meras figuras decorativas, sem as quais as coisas ficam "tais e quais". Já os parlamentares da terra do asfalto e do açaí são a "imagem e semelhança" do Senado corrupto da Roma republicana. Por fim, o povo - como um ser "a-histórico" - encena o imutável papel de EXPECTADOR do grande evento.

São acontecimentos que, apesar da distância no tempo e no espaço, fortalecem a crença - própria da modernidade – de que existe uma “NATUREZA HUMANA”, e como tal, propícia ao controle e dominação. Sem esse traço psicológico, nenhum império romano ou marajoara alcançaria tamanho sucesso na arte de manipular os seus integrantes. Em outras palavras, os espertalhões de hoje e de ontem são beneficiados pela inefável capacidade humana de intuir a realidade como um grande espetáculo.