sexta-feira, 11 de maio de 2012

Gurgel, Popper e a objetividade do conhecimento. (Ou: “A ciência a serviço da omissão”)

Para compreendermos a conduta humana devemos investigar o que é capaz de causar o mal ou provocar o bem aos membros desta espécie, mesmo que tais sensações não passem de um mero truque psicológico. O Homem sempre tentou se aproximar do que lhe agrada e se afastar do que teme. Eis a razão de algumas mães ainda insistirem em controlar os filhos com histórias como a do “homem do saco”. Da mesma forma se exerce o poder na esfera científica e política, isto é, manipulando o conhecimento para garantir benefícios aos “aliados” e o “mármore do inferno” aos desafetos.
Para escamotear a subjetividade do Direito e da Política, inventou-se, na seara pública, a ideia de IMPESSOALIDADE dos atos humanos, “garantida” por mecanismos “eficazes” de obtenção da verdade. Assim, instituiu-se o PROCESSO, a LICITAÇÃO, o CONSURSO PÚBLICO, o PARECER TÉCNICO, as PROVAS DOS AUTOS, a PERÍCIA TÉCNICA, a SENTENÇA, etc., como garantia de objetividade. Diante de tais instrumentos a verdade estaria assegurada no âmbito estatal e banida as práticas movidas por interesses pessoais.
Desde então, a propaganda oficial tenta convencer a todos – pelo menos aos despreparados intelectualmente – que esses mecanismos de obtenção da “realidade objetiva” impediriam a utilização do poder estatal de forma subjetiva e pessoal, pois a vontade estaria circunscrita a esses instrumentos e a conduta humana não seria livre.  Tudo ocorreria como se o mundo objetivo e o subjetivo fossem instâncias independentes e sem qualquer comunicação.
Diante desse funesto quadro parece oportuno recorrer a um filósofo da Ciência para abalizar o nosso raciocínio.  Coube ao austríaco Karl Popper desmistificar e crença da existência de um conhecimento que fosse, de fato, objetivo. A ciência não teria o condão de produzir a verdade, mas, no máximo, conjecturas que, ao serem submetidas à comunidade científica, resistissem o mais possível às tentativas de refutação. Logo, mais científica seria a teoria que resistisse às criticas que lhe fossem dirigidas pelos outros especialistas. O conhecimento se desenvolveria, segundo o filósofo, num processo contínuo de erros e acertos – como o processo de “seleção natural” de Darwin -, em que a hipótese “mais apta” seria a que melhor resolvesse o problema que se destinou a resolver e que resistisse a crítica melhor que as hipóteses concorrentes.   
Em outras palavras, mesmo no campo científico a verdade não seria absoluta e objetiva, quiçá no campo administrativo e político. Popper é fundamental para não engolirmos a conversa de que de que a vontade humana não participa da produção teórica, seja qual for o campo ou tipo de conhecimento.  No Direito, enquanto uma contestável “Ciência Humana”, não é diferente, faz-se o que bem entende com esse conhecimento.
É nesse contexto que se insere a conduta do Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, de ENGAVETAR, desde 2009, os autos de um Inquérito Policial que apurou práticas ilegais do senador Demóstenes Torres. Ele reteve os autos enquanto pode e, somente em 2012, após o fato ganhar publicidade, o endereçou ao Supremo Tribunal Federal para a propositura da Ação Penal. PROCRASTINAÇÃO PURA! Mas o PGR negou, de pés juntos, que pretendia beneficiar alguém, foi unicamente movido (ou petrificado) pela objetividade do conhecimento jurídico que não lhe deixou alternativa e lhe “obrigou” a engavetar os autos por um largo lapso temporal. Um caso clássico em que a ciência está a serviço da omissão.   
Gurgel agiu como a mãe que usa a história do “homem do saco” para submeter o filho desobediente. O amedronta quando lhe convém, afinal o seu poder decorre da história que pode contar. Enquanto pode, Gurgel reteve o IP, pois é na omissão que reside o caráter torpe do seu poder, pois o uso da violência simboliza exatamente o contrário: a perda do poder.
Mas para justificar o ato criminoso que praticou, o PGR utilizou a infantil tese da inexorável defesa da verdade, como se a boa técnica jurídica o tivesse determinado a reter os autos por anos a fio para melhor cumprir o seu mister, tentando assim desconstituir a inconteste e flagrante manipulação que operou para que o senador Demóstenes não fosse oportunamente processado.
Todos (ou quase todos) sabem que no Direito e na Política TEMPO É OURO.
Mas aqueles que leram Popper sabem que não há conhecimento objetivo na Ciência - muito menos na política – capaz de submeter o homem e impedir que beneficie ou prejudique quem lhes convém.  
Gurgel, como a maioria dos humanos, não resistiu à tentação de usar o poder para atingir um propósito pessoal, escondendo-se sob o manto torpe da ilusória objetividade do conhecimento científico.
Em outras palavras, Gurgel é tão bandido quanto Demóstenes!