domingo, 13 de janeiro de 2013

Os intelectuais são aqueles que, como os místicos, adivinham o futuro (Ou: ”Uma metodologia do trabalho não científica”)

Os profissionais que fazem PLANEJAMENTO são os mais requisitados do mercado, justamente por saberem lidar com o futuro. Eles partem da crença na existência de uma ordem invisível, mas cognoscível, que regula o comportamento da natureza. Para aprendê-la constroem MODELOS de funcionamento da realidade, que são esquemas abstratos (hipotéticos) com os quais explicam a ocorrência dos fenômenos. Ao contrário do que se pensa comumente, o planejamento não parte dos fatos, mas tem a sua validade confirmada (ou não) por eles.

O mais interessante é que o homem em nível empírico também constrói padrões (MODELOS) de funcionamento da realidade, porém confirmados por um número pequeno de fatos, no entanto, precipitadamente, são considerados com a mesma validade dos conhecimentos que são confirmados pela maioria das ocorrências. Na ciência e filosofia a razão encontra assento na regra; no senso comum, nos casos isolados. Mas todos são construções intelectuais que orientam o homem ante os mais variados problemas. Nesse contexto, dizer que “manga com febre é letal”, tem a mesma origem epistemológica que “Um corpo de massa maior atrai o de massa menor”.

Isso prova que, seja em nível científico, filosófico ou empírico, o FUTURO é concebido como algo que pode ser conhecido e influenciado pelo homem. Nos diversos discursos humanos essa crença está implícita: “No futuro a semente será uma árvore”, “Amanhã o sol vai nascer”, “Os radicais livres aceleram o envelhecimento das células”, etc.  

Acreditamos nessa possibilidade, porque os fenômenos naturais observam certa relação de necessidade entre si (nexo de causalidade) ou, como denominaram os modernos, possuem “comportamento mecânico”. E como o homem também integra a natureza, é razoável supor que o seu pensamento e conduta seguem os mesmos princípios mecanicistas.  

No entanto, além de mecânico o mundo é inteligente, pois, embora se comporte com certa regularidade em determinados casos, é capaz, em outras situações, de buscar soluções que não estavam inscritas em sua matriz natural, ou seja, adaptando-se a situações novas.

São essas faculdades que permitem ao ser humano antecipar-se aos acontecimentos e construir MODELOS de funcionamento da realidade. Para isso concatena os fatos logicamente a partir da compreensão das relações íntimas que possuem. É sempre bom lembrar que a lógica seleciona o necessário e descarta o contingente. Foi assim, como um processo darwiniano, que os diversos conhecimentos do mundo se tornaram possíveis.

Partindo da crença de que as manifestações naturais e psicológicas observam certa regularidade, é possível “prever” os fatos, recorrendo a todo conhecimento construído pelo homem ao longo da história, isto é, recorrendo à cultura. É a partir do que foi produzido pelos nossos antepassados que elaboramos as teorias sobre a natureza, selecionando o que é relevante e ignorando o que consideramos desprezível.

É dessa forma que construímos modelos de funcionamento da realidade. Alguns modelos são bons outros não. No mundo capitalismo hodierno, por exemplo, é consagrada a hipótese na qual o homem social e economicamente bem posicionado é feliz. Mas podemos dizer, com outro padrão teórico, que essa compreensão é limitada por desconsiderar o aspecto emocional ou psicológico, que em muitas situações concretas (fatos) se mostra mais importante. Quando um ente querido corre perigo, por exemplo, somos capazes de empenhar verdadeiras fortunas para salvá-lo.

É preciso, como foi dito alhures, usar o passado para projetar o futuro, inclusive no mundo psicológico e moral, afinal neste âmbito a mecanicidade também está presente. Para organizar as informações usa-se a razão, seja em forma de raciocínio, que é próprio do discurso; ou de intuição, enquanto visão imediata das coisas, embora ambos (discurso e intuição) sejam metades de um mesmo trabalho intelectual. Somente faz boas intuições quem percorreu os penosos caminhos do discurso, e vice-versa.

Para lidar com os fatos (futuros) “os deuses” nos deram uma ferramenta espetacular, a IMAGINAÇÃO, mas quando mal utilizada pode nos conduzir às fantasias e ilusões. Para conter o ímpeto delirante do nosso pensamento é importante estabelecer METAS e OBJETIVOS factíveis e iniciar a sua persecução num curto lapso temporal. É preciso começar a agir imediatamente para tornar o “SONHO” vigente e factível. Uma idéia que fica somente no pensamento se transforma em fantasia. Ex: A idéia de um emprego público que não é sucedida de uma estratégia de estudo para aprovação no concurso é ilusão.

O futuro é apreendido pela imaginação, mas requer planejamento e objetivo (metas). Para selecionar as informações disponíveis é preciso saber onde obtê-las e aonde se quer chegar. Não se traça um itinerário sem um destino certo. Delimita-se o objetivo para depois determinar os instrumentos a serem utilizados.  Mas, circunscrever e realizar metas é uma ARTE que requer acurado trabalho mental. Se a projetarmos para um futuro longínquo, a sucessão infinita de etapas poderá tornar o objetivo inalcançável; se perto demais, o objetivo poderá surgir antes da realização de etapas necessárias para a sua satisfatória consecução. É como dirigir um carro, não se deve olhar para a “linha do horizonte”, nem para o pára-choque dianteiro. Em ambos os casos a condução do veículo será prejudicada.

Apesar da aparente inconstância do mundo em diversas situações, como disse Maquiavel na obra “O Príncipe”, é possível dominar a Fortuna, o acaso, o inesperado e se adequar aos fatos adversos quando se tem sabedoria na ação.

Além da imaginação, a consciência do tempo presente é importante para lidar com o futuro. Surge, assim, outra ferramenta que está disponível ao homem que sabe agir: o SENSO DE INICIATIVA ou OPORTUNIDADE. Para isso é preciso estar atento e conhecer os modelos que tratam do objeto que se quer controlar.

A iniciativa não pode ser transferida para outrem, senão o futuro se vinculará a um fator alheio e tornar-se-á incontrolável. A mesma lógica contempla o que chamamos de “Direção Defensiva”, ou seja, no trânsito, há sempre o que podemos fazer para evitar um acidente, se não transferirmos a iniciativa para o outro.

Como foi dito, é com a consciência do tempo passado que se planeja o futuro. Os especialistas são aqueles que recorrem à MEMÓRIA da humanidade (cultura) para prever os acontecimentos. Para tanto o homem utiliza o recurso poderosíssimo da linguagem simbólica. Mas é preciso destreza para trazer à baila apenas as coisas (materiais ou emocionais) que são relevantes para a ação que se quer empreender no presente. É preciso habilidade para descartar o desnecessário, senão o trajeto será emperrado com uma sobrecarga de coisas que apenas atrapalharão a conduta. No campo comportamental preservar certos pensamentos e sentimentos pode ser extremamente prejudicial. É nesse diapasão que o perdão, para os Cristãos, liberta o homem e o torna apto para a ação.

É preciso se descolar, se libertar das coisas concretas ou abstratas que prendem o homem a situações irrelevantes no presente. As doenças mentais, por exemplo, surgem quando o homem não consegue se desvincular de certas coisas e as “rumina” sem qualquer utilidade para a sua vida prática. Esse desapego é fundamental para assegurar a eficácia da iniciativa com vistas ao controle dos fatos futuros.

Assim, o homem possui instrumentos para lidar com o passado, presente e o futuro. Se souber lidar com esses instrumentos será capaz de dominar, “como um Deus”, o tempo, tornando-se um cientista, religioso, político, artista ou filósofo.      

·       Referências:

- Palestra: “Como lidar o futuro?” (professor Luis Carlos Marques);
- Filosofia da Ciência (Rubem Alves);
- O príncipe (Maquiavel).